quarta-feira, setembro 07, 2005

So Long


[Ilustração de Felisbela Fonseca]

Era uma noite semelhante às outras, talvez mais perfumada de luz e sentia-se um sabor a esperança no ar. Naquela noite quente de Lisboa ele sentou-se na terceira fila, como tinha prometido, mas ela não estava lá. A banda começou a tocar e pelo meio da noite cresceu um ritmo irresistível, uma música insinuante que trepava pelas pernas acima e que não deixava ninguém quieto, o ritmo seduzia e nós todos deixámo-nos levar, embalados. Tu também. Estavas ao meu lado e não te conhecia de lado nenhum, mas eras de certo modo uma substituta involuntária e daquelas primeiras vezes que te olhei via alguém que não eras tu. Trocámos sorrisos simpáticos, daqueles bem-educados que ficam sempre bem, reparei que eras bonita, reparei que eras bonita e sorrias e dançavas a música, vibravas com a música, ambos dançávamos quase quietos e nesse instante secreto partilhámos uma imensidão de coisas invisíveis através daquilo que os músicos noruegueses nos davam. A música forte que vinha do palco tratou de embriagar os sentidos e para o fim já não eras outra pessoa, tinhas recebido uma personalidade própria e foi a ti que fiquei com vontade de conhecer. Consciente que momentos destes estão dependentes de conjugações astrais altamente improváveis, tentei balbuciar qualquer coisa, na tentativa de ficar com um bocadinho de ti, levar-te esse fragmento no bolso até casa. Acho que consegui esboçar um trémulo “até ao próximo concerto”, respondeste num sorriso e saíste. Segui-te um pouco ao longe, vi-te entrar num carro e num pensamento disse a mim mesmo, mas alto para que conseguisses ouvir, “até um dia destes”. Fugiste para uma qualquer avenida cinzenta do Cacém, do Barreiro ou de Vila Franca de Xira, as pessoas cruzam-se e perdem-se, o tempo é o maior cínico, pensei. E depois num dia que ameaçava ser demasiado banal, sem saber bem como, reencontrei-te. Contei-te que já nos tínhamos cruzado num concerto mas não te lembravas. Combinámos um café ao fim da tarde e outras coisas depois, jardins verdes e esplanadas vazias, e trocamos telefones, músicas, livros, filmes, beijos. Sorrio de cada vez que vejo o teu rosto celeste, revejo a tua imagem vezes sem conta, provo uma vez mais o teu aroma açucarado, e quase sinto que te estou a tocar, estás aqui, quase aqui, demasiado aqui e não quero acreditar, não posso acreditar, não acredito, não acredito que estou numa cama branca de hospital a dois minutos da morte e que nunca mais vou voltar a deitar-me no sofá com a cabeça no teu colo a ouvir o piano solitário de Keith Jarrett a colorir uma madrugada.
NC

10 Comments:

At 12:58 da tarde, Blogger polegar said...

que dor no coração me deste... lindo, Nuno.

 
At 1:12 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Gostava de ter escrito isto, Nuno.
Um abraço

 
At 2:17 da tarde, Blogger Nuno Catarino said...

Só para confirmar que este texto é um plágio descarado do último texto do Paulo. :D

 
At 2:46 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Se se trata de um plágio, então digamos que a cópia é bem melhor que o original.

 
At 12:29 da manhã, Blogger Pedro said...

Excelente mesmo....sem palavras!

Vocês um dia destes matam-me

abraço

 
At 1:20 da tarde, Blogger colher de chá said...

Gostei muito. Muito, muito. Muito, tanto!

 
At 3:26 da tarde, Anonymous Anónimo said...

O texto é lindíssimo...

 
At 9:14 da tarde, Blogger Alexandra said...

Eu vicio-me nos vossos textos

 
At 4:08 da tarde, Blogger polegar said...

paulo: eu diria que é uma fantástica forma de joint venture!

 
At 10:15 da tarde, Blogger Patrícia Evans said...

É na tentativa de guardar um bocadinho de ti, de levar um fragmento de ti nos meus olhos até que ele chegue ao meu coração, é na tentativa de te guardar em mim que te leio sempre com muito, muito, muito...amor.
Obrigada pelas palavras que escreves, eu lembrei-me muito delas enquanto tudo o que tinha era uma cama de hospital.
Beijos grandes!!!

 

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