terça-feira, maio 31, 2005

Jantar!

O blog Poetry Lands convida os seus leitores para um jantar no dia 11 de Junho, sábado, na Taverna "O Caldeiro"! A Alquimia Submersa também marcará presença, assim como os nossos leitores... Será uma noite de tertúlia e boa disposição. É favor confirmar a presença.



Rua Amoreiras-Rato 47 Lisboa
1250-022 LISBOA

Preço médio por pessoa 14€

quarta-feira, maio 11, 2005

A noite é proibida


[Ilustração de Felisbela Fonseca]

Deitados sobre a areia da praia numa madrugada, se bem que em certas alturas os dias não têm princípio nem fim nem nada, deitados sobre a areia da praia numa madrugada de Setembro, essa barriguinha dourada será o meu travesseiro. E eu fico assim quando abres esse sorriso de disneylândia. Chamas-te Sara, como a minha prima que já se casou e por quem tive uma paixão arrebatadora aos onze anos, numa semana de férias em que passou em minha casa, um daqueles amores que num dia nos fulmina e no dia seguinte não temos tempo porque temos de jogar à bola. Esse colo é o abrigo onde levas contigo os meus olhos de cão triste. Depois das bicicletas pulamos o muro impossível e corremos sem parar pelo meio dos eucaliptos em fintas invisíveis e slaloms imprevistos e a terra forrada a mato é o destino fatal quando o anjo do equilíbrio nos falhar. Enche os bolsos dos calções de nozes, traz o mapa do tesouro, não te esqueças nunca das nozes. Lá fora os caracóis insistem na vida, fogem da sombra e quando o sol mais matreiro os apanha arrebitam sem vergonha os cornos para nós. Arrastam-se lentamente pelas folhas verdes, sem horários nem obrigação de voltar para casa antes das quatro e meia para o lanche de marmelada. Lembras-te o que te disseram naquele dia magnífico de Fevereiro? E a humidade toda que as coxas entrelaçadas prometem? Traz-me à luz, tu que conheces a magia universal, contigo engravidei sonhos. Para sempre, para sempre num grito abafado. Da caixa de correio da Dona Arminda saiu uma lagartixa e um susto que a levou ao hospital, a senhora é fraca de coração mas juro que não fui eu e se tiver tempo antes dos desenhos animados prometo que rezo três avé-marias para a senhora voltar para as suas couves verdes onde mora uma família grande de caracóis envergonhados. Se me fosse permitido sonhar voava pela vida toda, escolhia nuvens fofas, descansava nas palmeiras e só descia para nadar. Fazem-me confusão os letreiros nos cafés e tascas de ruas mal frequentadas que, orgulhosos, anunciam no cheiro a fritos que “Há caracóis e pipis”, se ficassem pelos tremoços e azeitonas servia na mesma para acompanhar as cervejas amarelas onde mergulham para morrer mil bolhinhas; os bichos, molengões, poderiam continuar a crescer ao sol. E o brilho do pescoço das mulheres é mais intenso quando o perfume se insinua, a música aproxima as mãos e a noite ousa transformar-se em madrugada. É demasiado cedo para o arrependimento e demasiado tarde para o abandono, o néon fascinante ainda nos apaixona, é tempo de uma tragédia sentimental. Corre, foge. Paras o olhar no retrato emoldurado de um cidadão bigodudo de mil novecentos e quarenta e sete e é nesse instante frágil que volto a reencontrar-me na curiosidade desse olhar. Como se fosse possível pensar a perfeição. És mais bonita do que aquela outra das paragens dos autocarros. Ao fundo do esconderijo há uma caixa de música que nos embala. E há morangos.
NC