Fusilli Tricolore, Baby

[Ilustração de Sara Lucas]
Começa por pôr a água ao lume, não te esqueças do sal, do alho e de um fiozinho de azeite. Polvilha também com uns pozinhos de pimenta e noz moscada. Agora lava uma maçã verde e descasca-a, corta a maçã em cubinhos pequenos, corta o queijo e o fiambre em bocadinhos pequenos iguais. Entretanto não deixes a água ferver demais, assim que esteja no ponto põe a massa a cozer. No fim da cozedura, escorre a água, mistura os bocadinhos de maçã, queijo e fiambre e junta um pacote de natas. Leva ao lume dois minutos, enquanto mexes com a colher e salpica com algumas passas. Está pronto a servir, desliga o lume. Ficas bonita com o avental enrolado nessa cintura magrinha. Mas agora despe o avental enquanto acabo de pôr a mesa. Apesar de tudo prefiro ver-te o umbigo descoberto. Enquanto ponho a toalha, abre a garrafa de tinto alentejano. Bom apetite. As palavras misturam-se pelo meio das garfadas e dos goles de vinho que engolimos. Contas as coisas todas que te fazem sorrir e partilhamos excertos de vida em sorrisos e em dois segundos já não estamos à mesa, num instante fugimos e somos gatos a passear pelos beirais das casas antigas, saltamos com uma agilidade impossível, corremos os telhados todos do bairro esquecido e só paramos no telhado da casa mais alta, onde o reflexo da lua é mais quente. Dizes coisas a brincar e foges, eu corro atrás de ti e acabamos embrulhados, seguimos assim pela noite fora. Um pouco mais à frente, cansados, repousamos abrigados numa chaminé antiga, deixas cair a patinha sobre mim e já não me arranhas. Depois de te perderes a contar as estrelas mais brilhantes (mas só as mais brilhantes, as outras ficam para outra vez), voltas o olhar para mim e sabes o que se segue. Lembras-te que é tarde e tens de ir embora, eu também, amor. Deixa, eu arrumo a louça.
NC